Domingo, 07 de Dezembro de 2025

Conanda Alerta para 'Pânico Moral' em Ataque ao Aborto Legal para Crianças Vítimas de Violência Sexual

Vice-presidenta do Conselho, Marina De Pol Poniwas, critica o Projeto de Decreto Legislativo 03/2025, aprovado na Câmara, como afronta a direitos fundamentais.

09/11/2025 às 15:19
Por: Redação
Projetos de lei que visam dificultar o acesso ao aborto legal para crianças e adolescentes que foram vítimas de violência sexual representam uma tentativa de disseminar um "pânico moral" no Brasil. O objetivo, segundo Marina De Pol Poniwas, vice-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), seria enfraquecer o direito ao aborto legal já estabelecido. Ela considera que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 03 de 2025, aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (5), constitui uma grave afronta aos direitos fundamentais. Marina De Pol Poniwas salientou que a discussão deveria ser tratada como uma questão de saúde pública, e não como matéria legislativa. Ela criticou a tentativa de impedir que órgãos como o Conanda atuem para proteger efetivamente crianças e adolescentes. Esclarecimentos sobre a Resolução 258 do Conanda. Marina, que presidiu o Conselho no ano anterior, é uma das signatárias da Resolução 258, o documento que se tornou alvo do PDL aprovado pela Câmara. É importante ressaltar que, apesar da votação no Legislativo, a resolução permanece em vigor, dependendo da aprovação também pelo Senado para ter sua validade questionada. A psicóloga explicou que a elaboração da resolução pelo Conanda se deu em resposta a dados que apontavam um recorde de casos de estupro no Brasil em 2023, e como uma medida preventiva contra outros projetos legislativos que buscavam restringir o acesso ao aborto legal, incluindo propostas que pretendiam equiparar a interrupção da gravidez ao crime de homicídio, mesmo em situações amparadas pela lei. Conforme Marina, atualmente, existem 13 projetos tramitando na Câmara que contestam a Resolução 258, que também foi objeto de questionamentos judiciais. A vice-presidenta enfatizou que o aborto legal não constitui crime, sendo respaldado pelo Código Penal desde 1940 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerado um avanço civilizatório na sociedade. O objetivo da resolução, conforme Marina, era guiar o sistema de garantia de direitos sobre a aplicação do arcabouço legal já existente, assegurando o acesso a um direito previsto desde 1940 que tem sido frequentemente obstaculizado. Marina complementou que o Conanda percebeu a necessidade de orientar os serviços de saúde, assistência social e instituições de ensino sobre a relevância do sigilo nos atendimentos. A Resolução 258 aborda não apenas o aborto legal, mas todo o processo de acolhimento em casos de violência sexual, explicando, por exemplo, que as vítimas devem receber escuta especializada e que o atendimento de saúde deve ser prioritário. No que diz respeito especificamente ao aborto legal, o documento esclarece que uma vítima de estupro ou estupro de vulnerável, que engravidou em decorrência da violência, não precisa apresentar boletim de ocorrência ou decisão judicial para exercer seu direito ao procedimento. A resolução também estabelece que os casos de violência sexual devem ser notificados ao Conselho Tutelar, que, por sua vez, acionará o sistema de Justiça, salvo em exceções específicas. Além disso, a criança ou adolescente vítima deve ser plenamente informada sobre seus direitos, e sua vontade expressa deve prevalecer em situações de divergência com pais ou representantes legais. Marina argumentou que nenhuma dessas diretrizes foi "criada" pelo Conanda, mas sim elaborada em conformidade com a legislação brasileira em vigor, com o intuito de combater barreiras ilegais, como a exigência do boletim de ocorrência. Ela descreveu a resolução como um guia essencial para profissionais e operadores do sistema de garantia de direitos, capacitando-os a oferecer um cuidado ágil, humanizado e não revitimizante a crianças em situação de grave sofrimento. Mobilização Social e o Cenário Atual do Aborto Legal. Organizações de defesa dos direitos das crianças e das mulheres também se posicionaram contra o projeto de decreto legislativo. Elas lançaram um abaixo-assinado como parte da campanha "Criança não é Mãe", que ganhou notoriedade em protestos contra o Projeto de Lei que equiparava o aborto ao homicídio. A campanha prevê atos para a próxima terça-feira (11), com manifestações já confirmadas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Santa Catarina e no Espírito Santo. Laura Molinari, codiretora da campanha "Nem Presa Nem Morta", que integra a ação "Criança não é Mãe", observou que o movimento feminista tem atuado por aproximadamente duas décadas para combater diversas propostas legislativas que buscam endurecer a legislação sobre aborto no Brasil. Ao longo desse período, notou-se um aumento dessas propostas em períodos eleitorais. Molinari argumentou que esses projetos se inserem em uma "pauta moral" de candidatos e políticos da extrema direita, que se posicionam contra as drogas, contra os homossexuais e contra o aborto. Contudo, ela ressaltou que tais abordagens não consideram o problema real das meninas que, após sofrerem violência, engravidam, pois a gravidez é, em muitos casos, uma consequência da violência sexual, vitimando majoritariamente meninas no Brasil. Até o momento, nenhum projeto conseguiu revogar as permissões concedidas pelo Código Penal de 1940, que autoriza a interrupção da gravidez em casos de violência sexual e risco de vida para a mãe. Além disso, em 2012, o Supremo Tribunal Federal estendeu essa excepcionalidade aos casos de anencefalia, uma condição fetal incompatível com a vida fora do útero. A legislação brasileira nunca exigiu boletim de ocorrência ou processo judicial para o procedimento, nem impôs limite de idade gestacional. Apesar de o direito ao aborto legal permanecer assegurado, Laura Molinari alertou que a sucessão de ataques e a disseminação de informações inverídicas geram uma confusão deliberada. Isso afasta crianças e mulheres dos serviços de saúde e provoca insegurança entre os profissionais da área. Molinari revelou dados alarmantes, indicando que menos de 4% dos municípios brasileiros oferecem serviços de aborto legal. Anualmente, a média é de 2 mil procedimentos legais, com menos de 200 deles destinados a meninas vítimas de estupro. Em contraste, diariamente, 30 meninas com menos de 14 anos dão à luz no país. Ela explicou que essa "confusão normativa" dificulta a efetivação do aborto legal. Nesse contexto, a resolução do Conanda surge para organizar o que já está previsto em lei, especialmente porque, na prática, o acesso a esse direito é, em grande parte, inexistente. Uma pesquisa recente do Instituto Patrícia Galvão mostrou que seis em cada dez mulheres que sofreram violência sexual antes dos 14 anos não relataram o abuso a ninguém, e apenas 27% confiaram em algum familiar. Quase a totalidade dos entrevistados, 96%, considera que meninas com até 13 anos não possuem preparo físico e emocional para serem mães. Outro levantamento do Instituto, realizado em 2020, apontou que 82% dos entrevistados apoiam o direito ao aborto em casos de estupro. Questionados sobre o caso da menina de 10 anos que engravidou após ser violentada pelo tio no Espírito Santo e só conseguiu realizar o procedimento em um hospital de Recife, 94% dos entrevistados à época concordaram que o aborto deveria ser permitido em situações como essa. Laura Molinari acredita que a reação dos movimentos sociais a cada ataque "tem ajudado a construir na opinião pública e na sociedade um entendimento de quais são os marcos legais do aborto no Brasil", embora a ocasião também seja explorada por aqueles que buscam espalhar informações falsas. A codiretora da campanha "Nem Presa Nem Morta" ponderou que, para quem precisa acessar o serviço de aborto legal, há pouca informação disponível sobre os locais e a forma de acesso. Com a "enxurrada de fake news", as pessoas ficam desorientadas e, muitas vezes, acabam prosseguindo com a gravidez. Reação Parlamentar em Defesa dos Direitos das Crianças. No Congresso, parlamentares que se opõem à medida também se manifestaram na Câmara. A deputada federal Jack Rocha (PT-ES) protocolou um projeto de lei, com o apoio de outros 60 deputados, com o objetivo de "conferir força de lei" às diretrizes estabelecidas pela resolução do Conanda, mantendo integralmente sua redação. Em um vídeo publicado em suas redes sociais, a deputada afirmou que a iniciativa visa "transformar em lei o que nunca deveria ter sido posto em dúvida, que criança não é mãe, que estuprador não é pai e que a infância precisa de proteção e não de retrocesso." Ela complementou: "Quando a maioria da Câmara decide sustar essa Resolução do Conanda, ela não está apenas revogando um ato administrativo, ela está rasgando um pacto civilizatório para proteger as crianças desde o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela está dizendo que uma menina vítima de estupro de 9, 10, 11 anos tem que ser levada à maternidade a qualquer custo. Gravidez forçada é tortura."

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