Quarta, 19 de Novembro de 2025

Preconceito dificulta rastreio e tratamento de câncer em pessoas trans

Falta de preparo de profissionais e medo de violência afastam a comunidade LGBTQIA+ dos serviços de saúde.

16/11/2025 às 18:01
Por: Redação
O preconceito e a falta de preparo adequado nos serviços de saúde representam barreiras significativas para o rastreamento e tratamento de câncer em pessoas trans, frequentemente resultando em diagnósticos tardios. Essa realidade foi vivida por Erick Venceslau, analista de mídias sociais, que há pouco mais de um ano descobriu um agressivo câncer de seio. O diagnóstico, embora impactante, também impulsionou Erick a assumir publicamente sua identidade como homem trans, após anos de receio da transfobia familiar e da instabilidade financeira.Erick revelou que o nódulo identificado inicialmente, já com três centímetros, duplicou de tamanho rapidamente no início do tratamento. Ele admitiu que o medo do tratamento e a percepção de que o sistema de saúde não estava preparado para a comunidade LGBTQIA+ o afastavam de procurar atendimento preventivo. Essa hesitação, comum na população trans, é crucial para um diagnóstico precoce e melhores prognósticos, sublinhando a urgência de ambientes acolhedores e informativos para todos os pacientes.

 

Estigma e a Barreira no Acesso à Saúde

A exclusão e a violência institucional vivenciadas por Erick em experiências anteriores, inclusive em consultas ginecológicas como mulher cis lésbica, acentuavam seu receio. Ele critica veementemente a ausência de letramento dos profissionais de saúde, um fator que, segundo ele, contribui decisivamente para afastar a comunidade LGBTQIA+ dos serviços essenciais, problema que já afetou muitos amigos e conhecidos.


"Eu já fui para consultas ginecológicas e sofri violências por eles não saberem lidar com a mulher cis lésbica, imagina com uma pessoa trans", relata Erick Venceslau.


A mastologista Maria Julia Calas, presidente regional da Sociedade Brasileira de Mastologia no Rio de Janeiro, corrobora essa realidade, afirmando que a população trans é "extremamente estigmatizada". Eles enfrentam preconceito desde a entrada dos hospitais até o contato com profissionais de saúde, incluindo os médicos, o que é lamentável. Essa marginalização impede que muitos busquem informações sobre prevenção e rastreamento de câncer, ou simplesmente evitem exames para não sofrer violências, mesmo quando não se trata de regiões genitais.

 

Iniciativas e Desafios na Oncologia para Pessoas Trans

Em resposta a essa lacuna, Maria Julia Calas, em parceria com a oncologista Sabrina Chagas, desenvolveu o guia oncológico "Nosso Papo Colorido", lançado este mês, com foco em pacientes LGBTQIAPN+. Sabrina Chagas destaca que a oncologia, apesar de seus avanços, ainda negligencia questões de gênero, raça e etnia, criando barreiras de acesso e falta de protocolos adaptados às necessidades das pessoas trans. A necessidade de abordagens específicas é evidente, como no caso de Erick, que conseguiu remover totalmente as mamas, mas ainda aguarda por estudos que o permitam usar medicação hormonal para outras modificações corporais pós-tratamento.


"A oncologia tem avançado muito nos últimos anos, mas ainda existem lacunas significativas no cuidado de populações historicamente marginalizadas", destaca a oncologista Sabrina Chagas.


As especificidades no rastreamento são cruciais e pouco difundidas. Mulheres trans, por exemplo, ainda correm risco de desenvolver câncer de próstata, embora exames como o PSA e o toque retal sejam menos eficientes devido à inibição hormonal e à diminuição do órgão. Para homens trans que não realizaram mastectomia e mulheres trans que desenvolveram glândulas mamárias por terapia hormonal, a mamografia permanece necessária. Da mesma forma, toda pessoa com útero deve realizar o rastreamento do HPV, principal causa do câncer de colo de útero.

Maria Julia Calas ressalta a urgência de ambientes de atendimento mais neutros e acolhedores, já que clínicas ginecológicas frequentemente são "toda rosinha, tudo de menina", o que afasta homens trans que não se sentem representados nem acolhidos. Em um esforço para suprir essa demanda, a Sociedade Brasileira de Mastologia, em colaboração com o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, está elaborando um conjunto de diretrizes de rastreamento de câncer de mama para a população trans, com previsão de publicação para o início do próximo ano.

As especialistas defendem que um tratamento humanizado, que respeite a identidade de gênero e considere as particularidades de cada paciente, é fundamental para evitar que o medo do preconceito leve a diagnósticos em estágios avançados. A experiência demonstra que a falta de acolhimento pode facilmente resultar na não adesão ao tratamento e na desistência dos exames de rotina. Erick Venceslau, que compartilha sua jornada nas redes sociais, atesta o poder do apoio, atribuindo 20% do sucesso de seu tratamento à força recebida de sua esposa e de desconhecidos na internet, o que considera uma "ferramenta de transformação" vital para sua recuperação e bem-estar.

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